sábado, 16 de outubro de 2010

Não digam nunca: isso é natural


"Nós pedimos com insistência:
Não digam nunca: isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia.
Numa época em que reina a confusão.
Em que corre sangue,
Em que se ordena a desordem,
Em que o arbitrário tem força de lei,
em que a humanidade se desumaniza.
Não digam nunca: isso é natural!"

Apud PEIXOTO, F. Brecht. Vida e Obra, p. 126.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Por quê?


Por que me olham desse jeito?
Por que sempre exigem minha simpatia?
Por que não vêem a minha agonia?
Por que tenho que ficar sempre feliz?
Aliás, Por que devo ser feliz?
Por que não posso ficar zangado - ou simplesmente - inalterado?
Devo sempre expressar-me, sempre sorrir, sempre ser amigável?
Por que não posso ser hipócrita e sincero? Ser letárgico e austero?
Tenho uma própria ideia do que sou, ou do que acho ser?
Faço minhas escolhas, ou me engano fazendo, na verdade, as escolhas dos outros?
O que quero são repostas que me dêem liberdade... liberdade para sair de casa e bater de frente com o meu sol azul, minhas árvores cinzas e o céu verde-limão; encontrar com flores falantes, doces flutuantes, e olhar pra frente sem focar tanto nas pessoas. Assim que quero ver o mundo. Mais minha óptica não é de alguém "normal", porque o céu "normalmente" é azul, as árvores verdes, o sol um amarelo ofuscante, - e devo sempre estar atento para as opiniões e impressões que os outros têm de mim.
Por que devo me render as convenções?
Por que devo sempre dar explicações?
Por que me importo tanto com essas questões?
Por quê?

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Vou-me Embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei



Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive



E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada



Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar



E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.


Texto extraído do livro "Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90

Manuel Bandeira: sua vida e sua obra estão em "Biografias".