sexta-feira, 30 de julho de 2010

Um dia qualquer...




Era um dia qualquer; o mesmo sol, as mesmas tarefas cotidianas – acordar, preparar o café, esperar meu marido ir trabalhar – e finalmente respirar um ar menos pesado. Tudo ao redor de Ricardo ficava excessivamente embaçado, nada era claro, natural. Um lusco-fusco; nem palpável, nem abstrato. Era assim que eu, também, via o meu casamento. Já havia passado dez anos. Quantas lágrimas derramadas, quantas risadas compartilhadas, quantas portas batidas nesse tempo? Certamente muitas. Casei-me na esperança de ser FELIZ; sim, de encontrar a felicidade. Mas o que significava pra mim FELICIDADE? Talvez, não ficar sozinha, deslocada; casei-me, e nesses dez anos, nunca me senti tão só. Passo o dia remoendo as palavras a serem ditas na hora do jantar – nos víamos somente pelas manhãs e a noite – mas era apenas ele que balbuciava umas poucas, algumas desconexas, outras que não me despertavam interesse em ouvir. Eu não falava por medo, não sabia como iniciar uma conversa, principalmente, se o assunto dizia respeito a nós. Porém, hoje seria diferente; havíamos de nos falar; não suportaria o silêncio; não deixaria que ele corroesse o meu casamento. Ricardo era tudo que eu tinha; abandonei carreira, família por ele. Era ele que me completava. Fui à feira, como de costume; adorava ir até lá. O movimento de mãos dos feirantes, suas vozes estridentes; aquele vai e vem de pessoas, de mulheres – minhas confidentes – fitava seus olhos e via suas almas; entendíamos-nos, e isso era tudo. Aquele borbulhar de vidas excitava-me – quando foi a última vez que fui a uma festa? Ah...fazia tanto tempo. As manhãs passam numa rapidez incrível; já as minhas tardes parecem se estender até a eternidade. Costumava matar minha letargia lendo algum romance barato, mas nem isso hoje me tira do tédio; viver está sendo um verdadeiro fardo. A noite se aproxima, e com ela, toda sua imponência, sua magia. O ar estava menos denso; um frescor roçava o meu rosto, e eu me inundava em frenesi. Preparei a mesa para o jantar e vesti-me adequadamente à ocasião. Seria a nossa noite, a noite dos amantes; nós nos reencontraríamos após tanto tempo distantes. Falaríamos sem reservas. Tudo estava claro, até ele chegar. O lusco-fusco voltava e um corpo penetrava através da porta; um corpo destituído de tato, de voz. Ele se dirigiu ao quarto; eu o segui. Precisamos conversar, disse-lhe; ele secamente respondeu, Depois, estou cansado. Hesitei; após um suspiro, insisti, Precisamos conversar; então olhou-me; olhou-me com um olhar que dilacera o peito, que faz a voz ser extinta; ele me olhava como quem se olha para o nada, eu era o nada. Voltou-se e deitou. Eu, em seguida fiz o mesmo; ainda vestida para a noite dos amantes, deitei; senti um gosto salgado, talvez amargo na boca. Não sei dizer se eram as palavras, que há tanto tempo guardava, se dissolvendo, ou se eram as minhas lágrimas, que acabara de tragar.

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