terça-feira, 3 de agosto de 2010

O espelho



Quem é esse homem do qual não consigo tirar os olhos? O que me atrai nele? O seu rosto esguio, seus lábios secos sem movimento, ou o olhar distante? Fito-o e ao mesmo tempo não consigo encará-lo. Parece-me triste, talvez magoado, desolado. Um ser curiosamente paradoxal; despertava em mim asco e compaixão, ao mesmo tempo. Notei que tinha os cabelos despenteados; o corpo repulsivo era coberto de sujeira – há quanto tempo será que não toma banho? Ele se moveu, após tanto tempo estático; baixou a cabeça; deixei de vê-lo por um momento; o chão estava fétido, asqueroso tal qual o homem que eu observava. Voltei e ele ainda estava lá; seu semblante tinha algo de familiar. Será que o conhecia? Não, absolutamente; onde eu poderia ter conhecido tal aberração? Seu aspecto dava-lhe algo de animalesco, inumano. Aliás, aquilo que via não poderia ser chamada de humano; era imoral, vil demais. Entretanto, seduzia-me; seu jeito, sua aura misteriosa me hipnotizava. Uma força etérea suspensa no ar me forçava a ver através de seus olhos, mas eu não conseguia. Tinha medo do que poderia encontrar. Os olhos, talvez fossem o único ponto daquele corpo nu em que a verdade estaria presente sem deformações. Mas que Verdade era essa? A Verdade sobre sua alma; eu queria ver se aquela coisa possuía uma alma, porém tinha medo. O que eu enxergava era físico; sem uma alma, eu tornava-me superior a ele; eu podia ter uma, ele não. Resolvi encará-lo; sabia que sairia vitorioso; o humilhado aqui era ele, não eu. No momento que vi seu olhar, ele também me fitava, e de uma maneira cruel, inquisitória, como se procurasse algo em mim. Essa afronta irritou-me; a cólera tomou as rédeas da situação, quando vi já tinha golpeado o monstro. Senti-me aliviado; ele havia sumido; sim, havia ganhado a disputa – mas, que dor é essa, que me consome? – minha mão sangra, e minha dor é real. Ele me atingiu? Não, impossível; era como se algo tivesse refletido o meu próprio golpe. Baixei a cabeça, e vi. Vi que o homem ainda estava lá, agora fragmentado; não o via em sua plenitude, mas em partes. Peguei um pedaço de espelho do chão e vi novamente o seu olhar; nesse fragmento vi o todo. Sim, ele tinha uma alma; vi que era humano. Aquele homem era eu.

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