sábado, 21 de agosto de 2010

Ondas e devaneios


Lily continuou guardando os pincéis, erguendo e baixando os olhos. Ao levantar a cabeça, ela via o sr. Ramsay caminhando em sua direção, num andar incerto, descuidado, o ar ausente, distante. Um tanto hipócrita?, repetiu ela. Ah, não, o mais sincero dos homens, o mais honesto (lá estava ele), o melhor; mas, baixando os olhos, pensou: ele é egoísta, tirânico, injusto; e continuou com os olhos baixos propositadamente, pois somente assim poderia manter-se imperturbável entre os Ramsays. No momento em que ela os erguia e os via, sentia-se inundada pelo que chamava de "estado do amor". Passavam a fazer parte do universo irreal, mas penetrante, que é o mundo visto através dos olhos do amor. O céu se liga a eles; os pássaros cantavam através deles. E, o que era ainda mais emocionante, além disso ela sentia - ao ver o sr. Ramsay derrotado, retirando-se abatido, e a sra. Ramsay sentada com James à janela e a nuvem movendo-se e a árvore dobrando-se - que a VIDA, por ser composta de pequenos incidentes insignificantes que uma pessoa vive um a um, se tornava contínua e completa, como uma ONDA que a tivesse alçado e depois a lançasse de novo na areia da praia, ao quebrar-se.

Trecho de Ao Farol, de Virginia Woolf

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